Em vésperas de receber os partidos, para falar com eles sobre o Orçamento do Estado para 2022, o Presidente da República já foi adiantando serviço: na quarta-feira à tarde, em declarações à margem de uma visita à nova sede da Ajuda de Berço, Marcelo Rebelo de Sousa fez questão de mostrar que não há mão que embale o país e o salve de eleições antecipadas caso o Orçamento não seja aprovado. Governar em duodécimos e sem fundos europeus pura e simplesmente não é possível, avisou o Presidente, como quem diz: se os partidos querem mesmo "brincar" com o OE e arriscar o seu chumbo, preparem-se para pagar a fatura.
Palavras que vêm de um Presidente que repetidas vezes (a última das quais na semana passada, numa entrevista a Miguel Sousa Tavares) tem afirmado que gostaria de chegar ao termo do segundo mandato sem utilizar o maior dos seus poderes: o da demissão do Governo e a dissolução do Parlamento. Mas que agora deixa claro que não hesitará em fazê-lo se a situação política a isso o conduzir. E o chumbo do Orçamento, neste contexto político (apenas no início do fim da crise pandémica) e sem que se vislumbre uma alternativa de Governo sólida dentro da atual composição parlamentar, seria um óbvio cenário de "fim de linha".
Com tão estridente alarme, Marcelo veio dar uma nova consistência à hipótese (cíclica, todos os anos por esta altura) de uma crise política. Que não é evidente que aproveite a alguém, mas que o Governo (aparentemente) também não menospreza: anteontem à noite, na SIC Notícias, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares não jurou que dia 27 haja Orçamento aprovado na generalidade. "Neste momento ainda não existe um entendimento", admitiu Duarte Cordeiro, embora sublinhando que "o processo negocial é longo" e que o Governo "já sinalizou que está disponível para prosseguir as negociações" nalgumas das matérias que BE e PCP exigem ver tratadas no documento. Também o ministro da Economia, em entrevista à RTP, levou a sério a ameaça: "Não me parece que se trate de um ritual com desfecho certo”, afirmou Pedro Siza Vieira, admitindo que “há esforços” que ainda podem ser feitos. Será, talvez, como diz o Presidente, uma questão de "mais ou menos entendimento, mais ou menos paciência”, e o Orçamento acaba, como sempre acabou nestes 47 anos de democracia, por passar?
Rui Rio não quis esperar pela resposta e foi o primeiro a tirar partido do cenário de crise política chancelado pelo Presidente foi Rui Rio. A direção do PSD tinha acabado de tornar pública uma proposta para a realização das diretas para a escolha do próximo presidente do partido a 4 de dezembro e do congresso entre 14 e 16 de janeiro. Nem duas horas depois, o líder social-democrata veio apelar aos conselheiros nacionais que ignorassem a (sua) proposta e adiassem as eleições internas para depois de se saber se há ou não legislativas antecipadas: “Se este Orçamento não passar, como pode acontecer, o PSD é apanhado em plenas diretas e completamente impossibilitado de disputar as eleições legislativas taco a taco”, justificou.
A decisão de Rio terá apanhado boa parte do PSD de surpresa, nomeadamente Paulo Rangel, que já estaria a preparar para os próximos dias o anúncio da sua candidatura à presidência do partido. Ao suster o avanço imediato dos eventuais adversários internos, o líder social-democrata ganha precioso tempo. E se vier mesmo a haver legislativas antecipadas assegura que será ele o candidato a primeiro-ministro. Até pode vir a perder (novamente) para António Costa (embora ele próprio se mostre convicto que os resultados que obteve nas autárquicas auspiciam sucesso nas legislativas) mas se assim for, sairá pela porta grande: "despedido" pelos portugueses nas urnas, ao invés de pelos seus em congresso.
Cirilo João Vieira, Jurista e Consultor:
Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas: