segunda-feira, 10 de março de 2014

O Poder Económico da China em África: Um Novo Colonialismo Consentido e Desejado?

África-No artigo anterior sobre esta temática, identifiquei as dinâmicas de crescimento das relações comerciais entre a China e África - muito pouco diferentes da natureza de exploração dos tempos coloniais - e procurei identificar as razões de fundo do interesse chinês pelo continente.

Que perspectivas se apresentam para a China para o futuro em termos da sua capacidade de crescimento a dois dígitos? No passado, o crescimento do PIB foi verdadeiramente impressionante (durante mais de 20 anos a uma taxa média de cerca de 12%, o que lhe permitiu uma duplicação a cada seis anos), de tal forma que houve necessidade de romper as suas fronteiras para se garantirem fontes de abastecimento de matérias-primas e produtos de base indispensáveis à sustentabilidade dessa dinâmica.

E para o futuro? As mais recentes previsões do Fundo Monetário Internacional (World Economic Outlook, October 2013, actualizadas em Janeiro passado) mostram uma tendência para a diminuição da taxa de crescimento do PIB, o que pode ser prejudicial a algumas economias africanas que exportam minérios, matérias-primas agrícolas e petróleo.
 
Nota-se claramente uma diminuição de intensidade nas taxas anuais até 2018. Aliás, o quadro futuro em termos de exportações de petróleo para a China e os Estados Unidos não se apresenta optimista para os países africanos exportadores do crude.

Na verdade, quer a ainda primeira potência económica mundial, quer o gigante asiático podem, numa década, apresentar-se como auto-suficientes nesta matéria-prima energética, com a entrada em exploração das enormes reservas de gás e petróleo de xisto (as da China estão presentemente estimadas no dobro das dos Estados Unidos), ainda que se coloquem problemas graves de poluição ambiental.

Mas é um aviso no sentido de que as trocas comerciais se devem basear em produtos de valor agregado elevado. Os negócios da China em África projectam-se na compra de poços de petróleo, minas de cobre e ferro, bauxite e ouro, fazendas agrícolas, etc., como parte integrante da sua estratégia para garantir as necessidades do seu crescimento económico e do aumento do bem-estar dos seus cidadãos. E como fica África? Há deveras vantagens neste tipo de modelo? As semelhanças com o modelo colonial europeu são evidentes.

O que pode haver de diferente é o montante dos investimentos e das linhas de crédito. Também novos e diferentes são os sectores-objecto destes investimentos e financiamentos. Recorde-se que, em mais de 60 anos de cooperação euro-africana, a área das infra- -estruturas foi sempre a esquecida, ao contrário da China, cuja primeira grande obra em África foi a construção da grande linha de caminho-de-ferro Tanzan, que liga a Zâmbia à Tanzânia, nos idos anos 60 do século passado, com um investimento avaliado em 455 milhões USD e uma extensão de 1.860 km.

Esta via ferroviária está actualmente a ser reparada, também por empresas chinesas. Os investimentos e os empréstimos chineses em África ascendem actualmente a 113,5 mil milhões USD, continuando envolta em alguma bruma a realidade das linhas de crédito1. Qual é a percepção que os africanos têm da cooperação com a China? O artigo no Le Monde de François Bougon e Sébastien Hervieu - já citado -, parece querer demonstrar que uma era de boas relações entre a China e África pode estar a ser beliscada por sucessivos atritos entre as comunidades chinesas espalhadas pelos diferentes países e os africanos.

Fala-se de uma comunidade chinesa de mais de 2,5 milhões de cidadãos (só em Angola, parece que, entre legais e ilegais, se encontram mais de 300 mil), competindo no mercado de trabalho em condições desvalorizadoras da força de trabalho africana. São citados casos de tensões violentas e a aceitação dos chineses em alguns países africanos passou da tolerância expectante para uma quase rejeição.

As vagas de emigrantes chineses e de empresas chinesas suscitam efectivamente fricções com as populações locais: no Zimbabué, em Moçambique, no Botsuana, no Níger, no Quénia, em Angola, na Etiópia, na Namíbia e em outros países africanos são relatados, pelos jornais locais, episódios de confrontações, desconfianças e mal-estar entre as comunidades nacionais e chinesas.

Estas tensões têm sido alimentadas pela importação maciça de mão-de-obra chinesa para as obras de construção e de produtos acabados chineses. Mas há outros reversos da matriz de relações económicas e financeiras China-África. É o problema da corrupção, disfarçada de fuga de capitais para o Ocidente e os paraísos fiscais conhecidos (ver Le Monde, 24 de Janeiro de 2014, artigo Le Pétrole, moteur de la corruption chinoise).

Na China não há nenhuma personalidade de primeiro plano do PCC que não tenha tirado partido das suas funções para permitir que o cônjuge ou os filhos fizessem fortuna de forma desonesta. Isto apesar da aparente probidade desses responsáveis e dos seus apelos diários à honestidade e rectidão. É do conhecimento geral que o Global Financial Integrity revelou que, durante 2011, os novos-ricos chineses fizeram sair do país a fantástica soma de 600 mil milhões USD, através dos canais de branqueamento de capitais.

Os investigadores do branqueamento de capitais, que têm estudado este fenómeno no mais populoso país do planeta, estimam que entre 2000 e 2011 a fuga de capitais tenha atingido 3,79 biliões USD (triliões na linguagem numérica anglo-saxónica), quase 400 mil milhões USD por ano. Para alguns países africanos, talvez isto deva constituir um bom exemplo de criação de uma classe média nacional forte e abastada.