Dezoito anos de prisão para o “capitão” e seis para o seu “ajudante”. O tribunal de Catania (Sicília, Itália) proferiu ontem esta sentença aos responsáveis pelo até agora considerado maior desastre relacionado com migração, no qual morreram 700 pessoas em… quantos minutos? O navio naufragou ao largo da Líbia em 18 de abril de 2015. Segundo o testemunho de um dos apenas 28 sobreviventes, seguiam 950 pessoas a bordo quando o navio adornou e se afundou. O tunisino Mohamed Ali Malek, de 27 anos e o sírio Mahmud Bikhit, de 25, foram detidos de imediato pela polícia italiana, porém negam até hoje qualquer responsabilidade. Insistem que eram “refugiados” sujeitos à receita combinada de perigo+negócio que alegadamente aplicaram. São acusados de homicídio negligente e facilitação ao tráfico de seres humanos, como pode aqui ler no site do jornal La Repubblica. Se não fosse proveitoso, o Centro Europeu contra o Tráfico de Migrantes não concluiria que as redes de tráfico humano na Europa geraram entre 4,4 mil milhões e 5,3 mil milhões de euros no ano passado.
O julgamento de ontem do tribunal daquela cidade siciliana diz respeito a um dos três naufrágios que, combinados, fizeram 1244 mortes no Mediterrâneo. Só em abril do ano passado. Foram estes naufrágios mais a imagem da criança síria Alan Al-Kurdi afogada na Turquia que desencadearam a onda de solidariedade (e ação) da sociedade civil europeia que gritou “welcome refugees!” em desafio à morosidade das deliberações de Bruxelas. Em meses, o encerramento de uma série de fronteiras na Europa mudou a face da União tal como a conhecíamos e praticávamos há 30 anos, talvez sem darmos por isso. Afastamo-nos de tal maneira dos desígnios da Europa sem fronteiras desenhadas em Schengen, que a Comissão Europeia redigiu um “Roadmap back to Schengen”. O documento, que pode consultar aqui, data de março de 2016 e teria sido impensável há apenas seis meses. 22 dos 28 Estados europeus ainda acreditam que Schengen sobreviverá à crise de refugiados, como pode ler nesta página do Conselho Europeu das Relações Exteriores (ecfr.eu). Ao mesmo tempo, os partidos de extrema-direita europeus organizam-se e os ânimos antieuropeus em países como o Reino Unido encarniçam-se à vista de todos. O referendo ao Brexit é já a 23 de junho - encontra aqui respostas às suas perguntas - e 51% dos eleitores inquiridos dizem que vão votar para que o Reino Unido fique na União. Se assim não for, ninguém sabe… David Cameron resiste. |
OUTRAS NOTÍCIAS
Os tártaros da Crimeia assinalam hoje os horrores de 1944, quando 230 mil foram deportados para o que é hoje o Uzbequistão. Menos de metade sobreviveu. As autoridades ucranianas aproveitam a ocasião para protestar contra a anexação da península que a Rússia fez em 2014 usando cartazes onde se lê “Somos todos tártaros da Crimeia”. A cantora Jamala que venceu o Festival Eurovisão com uma canção lamentando a deportação da sua avó ganhou estatuto de heroína nacional.
A paz na Síria… foi com esperança reduzida que se reuniram ontem em Viena de Áustria os 17 do Grupo Internacional de Apoio à Síria liderados pelos chefes da diplomacia dos Estados Unidos e da Rússia, John Kerry e Sergei Lavrov. O objetivo era relançar a paz que ficou entretanto adiada apesar do acordo assinado em fevereiro. Foi acordado que haveria distribuição aérea de alimentos às áreas ocupadas, mas as fraturas ficaram evidentes quando foi impossível marcar nova data para o recomeço das negociações de paz. Estes cinco anos de matança resultaram em 47 mil mortos.
As ruas de Paris andam agitadas com os protestos contra a nova lei laboral. É a sexta proposta de alteração da lei do trabalho em pouco mais de dois meses, que conseguiu a união de sete sindicatos contra ela. Leia aqui pormenores.
Pela primeira vez, as autoridades chinesas comentaram Revolução Cultural, sobre a qual passam agora 50 anos. O jornal People’s Daily chamou-lhe “um completo erro”… no qual milhões foram executados e milhares morreram ao longo de uma década de purgas caóticas impulsionadas por Mao. Donald Trump declarou estar disposto a encontrar-se com o líder da Coreia do Norte para discutir cara a cara o programa nuclear de Pyongyang. Na campanha às presidenciais do empresário vale tudo, resta saber a reação de Kim Jong-un… Chris Ghaiter já prestou declarações, depois de o ciclo mais próximo de Prince ter mantido o silêncio até agora. Conhecido por Romeo, era o guarda-costas do músico desde 2012 e até à noite em que morreu. A CNN reporta as declarações de Chris/Romeo, que não quer que haja dúvidas: Prince não tinha nenhuma dependência de analgésicos, ninguém que lhe fazia a mala todos os dias - ele - poderia não dar por isso. Por cá, fique a saber porque é que é vital que os pais passem mais tempo com os filhos, agora que a natalidade está na ordem do dia e a discussão alterna com o debate sobre opções e tradições. Os partidos não se entendem quanto às 35 horas, leia aqui no Expresso o estado da arte. As turmas de início de ciclo não abrem em 39 colégios, o que representa uma poupança de 43% no financiamento a novas turmas. Leia aqui a opinião de Ricardo Costa sobre os contratos de associação, aqui desenvolvidos no Expresso. Manchetes de hoje: “Cortar nos colégios permite oferecer manuais escolares” escreve o DN. O Público também destaca: “Estado vai deixar de financiar 370 turmas dos colégios com contrato”. Já o i escolhe “Défice: Bruxelas aumenta pressão sobre Portugal”. O Correio da Manhã titula com o crime do empresário de Braga: “Advogados encomendam morte de empresário”. O Conselho de Finanças Públicas (CFP) tem dúvidas sobre as previsões de crescimento económico inscritas pelo Governo no Programa de Estabilidade, como aqui explica o João Silvestre. O Teatro Nacional de São Carlos tem um novo diretor artístico, Patrick Dickie. Soube-se ontem que consultor, produtor e dramaturgo britânico, até aqui programador convidado do teatro de ópera de Lisboa, que assinou a atual temporada lírica (setembro de 2015 a junho de 2016) sucede a Paolo Pinamonti. A seleção nacional já tem hino para a campanha do Europeu de 2016. A composição de Paulo Lima “pretende gerar uma onda de confiança”, como poderá verificar aqui no DN. Os 23 eleitos para França foram anunciados ontem, leia aqui. FRASES
“Todas as opções estão em aberto no Novo Banco”, António Costa, primeiro-ministro assegurando a defesa dos contribuintes
“Os bancos precisam de rever os seus modelos de negócio”, Daniéle Nouy, presidente do conselho de supervisão europeu “Posso ter cometido erros, mas não cometi crimes”, Dilma Rousseff, ex-Presidente do Brasil no seu último discurso como tal “Arrancaram-me as unhas, chicotearam-me, abriram-me as costas com lâminas e puseram sal nas feridas”, Shahbaz Taseer, paquistanês sequestrado entre 2011 e 2015 pelo Movimento Islâmico do Uzbequistão, filho do governador do estado do Punjab, Salman Taseer, assassinado por se opor à lei da blasfémia, citado num exclusivo da CNN O QUE ANDO A LER
“O Verão de 2012”, de Paulo Varela Gomes. Há 15 dias escrevi aqui que estava a lançar-me na leitura de “Era uma vez em Goa”, mas “O Verão…” interpôs-se pelo caminho e ganhou. Este texto foi publicado em 2013 e é sobre o ano anterior, o ano “terrível” para o paciente daquele narrador - que o designa por P. -, que em maio é sujeito “à mais revoltante das coincidências” daquele ano: “de repente, foi diagnosticado a P. um cancro incurável”. A maravilhosa escrita de Paulo Varela Gomes ressoa a erudição a que nos habituou enquanto “nos enche” de numerosos exemplos do modo como olhava o mundo com o sublinhado que a despedida dá. “Quando recebeu a notícia de que estava mortalmente doente, a sua fúria desvaneceu-se de repente. A descoberta da conjura do cancro, as suas arengas contra o progresso, vieram depois, no mês de agosto, quando readquiriu alguma esperança. Até então, tudo se passou como se tivesse caído um grande silêncio, como se o vento soprasse mais devagar, como se os pássaros que pousavam nos arbustos e nas árvores encostadas à sua casa tivessem firmado com ele um pacto de calma e sossego. Tudo o que não era o vórtice da doença, das suas consequências prováveis, das suas circunstâncias e pequenos acidentes, tudo ficou suspenso”. Paulo Varela Gomes teve a gentileza de colocar um narrador entre nós a e matéria da escrita. Não fica mais fácil de ler do que o texto escrito na primeira pessoa que publicou na Granta, “Morrer é mais difícil do que parece”. Na verdade, ficam ambos sujeitos ao juízo do quanto de nós, leitores, é capaz de aceitar a morte.
Por falar em morte - What’s done is done -, recomendo vivamente (passe-se a expressão) o filme Macbeth, de Justin Kurzel. Veja aqui o trailer oficial britânico e não pense que já conhece pelo menos 20 versões da peça de Shakespeare. Acredite que lhe falta ver esta, escrita por Jacob Koskoff, Todd Louiso, e Michael Lesslie! Este extraordinário Macbeth de Michael Fassbender - a crítica inglesa disse que ele nasceu para o papel - (para esta leitura que os guionistas fazem de Shakespeare) é à prova até da bala da crítica (sobranceira) do New York Times, como aqui pode ler. A Europa deveria continuar a ser isto que acontece tantas vezes no cinema e que aqui ganha contornos particulares: esta peça do mais inglês dos ingleses sobre um rei escocês é protagonizada por um alemão e uma francesa (Marion Cottilard). Kopf hoch! |