segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O Cata-vento Catou os Votos: Marcelo Presidente

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Primeira hora: um forte sismo, de magnitude 6,6 na escala de Richter, foi sentido esta madrugada no Estreito de Gibraltar, entre Marrocos e Espanha. Os únicos dados reportados logo depois são materiais. Notícia na Renascença.

Bom dia República!

Um pouco mais de metade do pouco mais de metade dos eleitores portugueses que votaram elegeu Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente. A tomada de posse será em março e a partir daí o Palácio de Belém terá um inquilino que gosta de ser senhorio. Na nossa democracia, o homem fez mais a Presidência que a Presidência fez o homem – e Marcelo fará diferente de Cavaco porque é diferente de Cavaco. Se Cavaco foi mosca, Marcelo será vespa.

(Se fossemos moscas, saberíamos o que andará Cavaco Silva a dizer às paredes sobre estas eleições. Mas, se fossemos moscas, provavelmente preferiríamos outras inconfidências.)

Com um governo minoritário no poder, que está sob pressão externa e que se sustenta na instabilidade interna de dois partidos na oposição, Marcelo Rebelo de Sousa já pode tirar o fato de Avô Cantigas que usou na campanha e pôr o tabuleiro de xadrez na mesa. A situação política é tão estranha que o candidato do PSD ganhou mas Passos Coelho não; os candidatos do PS perderam, mas António Costa não. Como dizia Pedro Adão e Silva na TSF, assim nasce “um Bloco Central entre palácios”, o de Belém e o de São Bento.

Sim, só houve um vitorioso, mas Marisa Matias teve um resultado ótimo (exceção no descalabro da esquerda), Sampaio da Nóvoa saiu airoso (com a votação que queria para a primeira volta, engando-se ao julgar que ela bastava para chegar à segunda) e Vitorino Silva saiu como o grande dos pequenos (vão continuar a troçar dele?). E sim, Maria de Belém tem um resultado humilhante e Edgar Silva tem uma votação tão fraca que os efeitos no PCP podem levá-lo a opor-se aos aliados de oportunidade, PS e Bloco de Esquerda.

Se António Costa foi habilidoso na construção do seu poder, Marcelo sempre habilidoso foi na destruição do poder dos outros. Que outros? Passos Coelho, que o chamou de cata-vento? Por alguma razão, o antigo primeiro-ministro fez o discurso mais insípido da noite. O texto foi tão curto que dava para um tweet, o vídeo foi tão curto que cabia no Snapchat.

“Sozinho, Marcelo fez história”, escreve Filipe Santos Costa, num texto sobre este caso de estudo “feito com um táxi e uma marmita”. “É a primeira vez que um candidato ganha umas eleições presidenciais sem fazer campanha. Sem cartazes, sem comícios, sem propaganda. Sem nada”, adita escreve Daniel Oliveira. “António Costa já perdeu desde que é líder do PS três eleições”, nota Martim Silva. Mas, com Marcelo em Belém, “o primeiro-ministro suportado pelas esquerdas terá mais liberdade” para se desvincular da geringonça, fraseia Bernardo Ferrão. José Gomes Ferreira deixa quatro perguntas a Marcelo, incluindo esta: “Vai permitir que Portugal volte a bater estrondosamente no muro por não ter escolhido melhor caminho?” E vai Marcelo conquistar os abstencionistas?, questiona Ricardo Costa.

Sortido de reações: “Não abdicarei de seguir o meu estilo e agir de acordo com as minhas convicções” (Marcelo); “o meu projeto acabou aqui” (Sampaio da Nóvoa); “Não vou desistir. Apelo também a que não desistam.” (Marisa Matias); “Pode contar com as minhas ideias” (Vitorino Silva); “os portugueses rejeitaram as candidaturas populistas e que se apresentavam como antissistema” (António Costa); “Só posso desejar muitas felicidades” (Passos Coelho). Mais reações aqui.

Marcelo será um presidente diferente do comentador e diferente do candidato. “Será um sofrimento interpretar os silêncios de um conversador que nasceu para falar”, angustia-se Miguel Esteves Cardoso no Público. Chegou a hora de deixarmos de falar das poucas horas que Marcelo dorme e passarmos a falar das muitas em que está acordado.
 
OUTRAS NOTÍCIAS

A redução da Taxa Social Única paga por trabalhadores com salários até 600 euros mensais só vai afinal aplicar-se a trabalhadores por conta de outrem, revela o Negócios. De fora ficam assim funcionários públicos e trabalhadores por conta própria.

Ainda é o rascunho da proposta, mas o Orçamento do Estado está a ser analisado à lupa. António Costa deu uma entrevista ao Financial Times para garantir que o documento é uma demonstração de responsabilidade orçamental ao mesmo tempo que vira a página da austeridade.

O Ministério da Educação quer reduzir preços dos manuais escolares já em Setembro, noticia o Económico. As negociações com a Associação de Livreiros e Editores já começaram.

Jihadi John esteve em Lisboa em 2011. A notícia foi dada no fim de semana e confirmada pelo Ministério da Administração Interna. O homem de cara tapada filmado pela propaganda do Estado Islâmico a decapitar reféns passou por Portugal um ano antes de viajar para a Síria. O homem que, segundo confirmação do autoproclamado Estado Islâmico (Daesh), está morto, esteve no nosso país para obter financiamento para a causa jiadista na Síria, asseguraram fontes do nosso jornal.

No domingo, o Daesh publicou um vídeo em que garante mostrar nove dos terroristas envolvidos nos atentados de Paris, que matou 130 pessoas em novembro. Segundo o The Guardian, no vídeo há ameaças ao Reino Unido. Trata-se de um vídeo de propaganda, com muita produção e edição, refere a CNN.

“Vamos enterrá-los”, diz o presidente do Afeganistão, em entrevista à BBC. Ashraf Ghani sublinha que o Daesh “não foi um fenómeno afegão” e que as suas atrocidades “alienaram o povo”. “Os afegãos estão agora motivados pelo espírito de vingança”, prossegue. “Eles confrontaram o povo errado”.

Ontem, um avião da Turkish Airlines que voava entre Houston e Istambul aterrou de emergência no aeroporto irlandês de Shannon devido a ameaça de bomba, informou o The Irish Times.

O Irão vai comprar de 114 aviões Airbus. O negócio é possível depois da entrada em vigor do acordo nuclear, há cerca de uma semana, que levantou sanções internacionais, que impediam o país de comprar novas aeronaves, explica o Negócios. Hassan Rohani, presidente do Irão, visita França esta quarta-feira.

Wolfgang Schäuble considera que a Europa deve considerar juntar-se à Rússia numa ação para estabilizar o Médio Oriente. O ministro das Finanças alemão assina hoje um artigo de opinião no jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung, cujo conteúdo o Negócios antecipou.

Filippo Grandi, que substituiu António Guterres como Alto Comissário da ONU, diz que a Europa pode receber mais refugiados.

Nos Estados Unidos, o caminho para as eleições primárias prossegue. Donald Trump, que lidera as sondagens para a nomeação republicana, diz que “podia disparar sobre alguém e não perdia votantes”.

O cómico Beppe Grillo anunciou a saída da política italiana. O “palhaço” fundador do Movimento 5 Estrelas, que em 2013 revolucionou o panorama político italiano ao tornar-se a segunda maior força partidária, diz agora que “a política é uma doença mental”. A história está no El Pais.

Um mês depois das legislativas, a situação política continua bloqueada em Espanha. Depois de Mariano Rajoy ter recusado o convite do Rei para formar Governo, o Ciudadanos anunciou que não votará no líder dos socialistas, Pedro Sánchez. Como resume o Negócios, “tudo é possível e improvável ao mesmo tempo”. O rei Felipe VI “é a chave da governabilidade”, dita o El Mundo. A Comissão Europeia está atenta, diz que o “risco político” pode criar desconfiança e avisa que o próximo governo terá de realizar um forte ajuste orçamental.

40% do investimento direto estrangeiro em Espanha desde 2008 foi realizado através da Holanda e do Luxemburgo, para pagar menos impostos. No El Pais.

As vendas de automóveis estão a subir há dois anos e, segundo a Acap, assim podem continuar em 2016. A previsão é de mais 10%, segundo declarações ao Económico.

A CP Carga passará a ter lucros em 2019, prevê a MSC, que tomou o controlo da empresa na semana passada. Em entrevista ao Negócios, o diretor geral da empresa, Carlos Vasconcelos, garante: “Sob palavra de honra da MSC: não vamos despedir um único trabalhador”.

O dono do grupo "Feira dos Tecidos" é suspeito de ter defraudado o Fisco em 6,1 milhões de euros, revela o Jornal de Notícias. Serafim Martins encontra-se em prisão preventiva e aguarda julgamento.

Os bancos estão a aumentar as comissões da prestação da casa, conta o Negócios. Os aumentos chegam a 18%.

Também no Negócios: o Montepio vai colocar no mercado mais 200 milhões de unidades de participação do fundo que criou para se capitalizar, mas os investidores estão avisado que arriscam a "perda de parte ou da totalidade do montante investido". O aviso efeito depois da pressão da CMVM.

A Perella Weinberg, consultora de investimentos envolvida em diversos processos de fusões & aquisições em Portugal, processou um dos seus antigos colaboradores, Michael Kramer, acusando-o de ter urdido um plano para sair da empresa e fundar uma “boutique financeira” própria e concorrente. A história está no Financial Times.

Mudanças na advocacia. Jorge Brito Pereira, ex-PLMJ, é o novo sócio da Uría, ao lado de Daniel Proença de Carvalho e Duarte Garin. Entrevista a três no Económico.

Desde que a “Lei da Identidade de Género” entrou em vigor, em 2011, quase 300 pessoas mudaram de sexo no registo civil, noticia o Público.


O QUE DIZEM OS NÚMEROS
 
Marcelo ganhou em todos os distritos. Eis os seus resultados, por ordem decrescente:
1. Viseu: 62,57%
2. Vila Real: 62,28%
3. Bragança: 61,91%
4. Leiria: 61,07%
5. Aveiro: 59,42%
6. Braga: 58,96%
7. Guarda: 58,53%
8. Açores: 58,07%
9. Viana do Castelo: 57,03%
10. Madeira: 51,35%
11. Porto: 51,28%
12. Santarém: 51,11%
13. Coimbra: 50,19%
14. Castelo Branco: 50,14%
15. Lisboa: 49,77%
16. Faro: 47,62%
17. Portalegre: 42,88%
18. Évora: 38,61%
19. Setúbal: 37,89%
20. Beja: 31,71%

Resultados globais das eleições presidenciais:
 

1. Marcelo Rebelo de Sousa: 2.403.764 votos, 51,99 %
2. Sampaio da Nóvoa: 1.058.684 votos, 22,9 %
3. Marisa Matias: 468.406 votos, 10,13 %
4. Maria de Belém: 196.095 votos, 4,24 %
5. Edgar Silva: 182.462 votos, 3,95 %
6. Vitorino Silva: 151.933 votos, 3,28 %
7. Paulo de Morais: 99.548 votos, 2,15 %
8. Henrique Neto: 38.744 votos, 0,84 %
9. Jorge Sequeira: 13.701 votos, 0,3 %
10. Cândido Ferreira: 10.514 votos, 0,23 %

Brancos: 58.571, 1,24 %
Nulos: 43.718, 0,93 %
Abstenção: 4.712.164, 49,93%


FRASES

“Marcelo? Só sei que vai ser melhor que Cavaco. E só por isso já vou dormir melhor”, Miguel Sousa Tavares, ontem.

“Podíamos arranjar uma candidata engraçadinha, mas não somos capazes de mudar”. Jerónimo de Sousa, na pior declaração da noite, bem reveladora do mau perder para… Marisa Matias.

“Marcelo ganhou porque a direita ressentida perdeu”, escreve Raul Vaz no Económico.

Marcelo venceu por estar semanalmente na casa das pessoas”, Octávio Ribeiro, no Correio da Manhã.

"A dimensão lúdica (de Marcelo) é o que lhe dá graça, mas coaduna-se pouco com a figura presidencial", António Vitorino, ontem.

“[Marcelo] tem tudo para ser um Presidente da República muito útil ao país. Um Presidente que fiscaliza o governo mas não o quer enfraquecer nem se alimenta dele.André Macedo, no DN.

“António Costa perdeu à direita – e à esquerda”, Miguel Pinheiro, no Observador.


O QUE EU ANDO A LER

Por que razão estão centenas de estudantes de Harvard a estudar filosofia chinesa antiga? A pergunta é feita pela Atlantic, que analisou aquele que é neste momento o terceiro curso mais popular daquela universidade entre os ainda não licenciados. A filosofia chinesa, escreve a revista, é ensinada “como uma maneira de dar aos alunos ideias concretas, contraintuitivas e até revolucionárias, que os ensinam a viver uma vida melhor”. 2.500 anos depois, Confúcio formar americanos entre os 18 e os 19 anos. E como em chinês, o mesmo vocábulo é usado para “mente” e “coração”, o professor Michael Puett garante que as decisões são tomadas pelo coração.

“KL - A História dos Campos de Concentração Nazis”. A sigla reduz a palavra konzentrationslager, o livro expande o conhecimento do que nunca poderá ser esquecido, omitido ou desmentido: as atrocidades do Terceiro Reich e o seu amplo e horroroso sistema de campos de concentração.

As 850 páginas (das quais mais de 200 são de apêndices) podem afastar leitores, mas basta ler as primeiras páginas do prólogo para ficar agarrado, mesmo que elas comecem pelo testemunho da náusea dos soldados das forças aliadas quando, naquele dia de abril de 1945, encontraram dois mil cadáveres dentro de um comboio abandonado.

Sabemos hoje como era a morte nos campos de concentração, mas sabemos menos como neles era a vida. Este livro parte de anos de pesquisa para contar os dias nestes campos das noites, mas também como a sua evolução espelhava as forças no nazismo alemão, regime cuja organização interna é aqui revelada como muito mais caótica e improvisada do que muitos supõe. Não é um livro para ficar feliz. É um livro para saber, para não esquecer – e para não permitir que se repita. (Crítica da New Yorker aqui)

Norte, centro e sul: hoje está de chuva. As temperaturas vão descer entre quatro e seis graus. Há dias assim. E mesmo nos dias assim.
Tenha um dia bom.