Zona do Euro-É um dia histórico para a política monetária na zona euro. Pressionado pelos riscos de deflação e pela demora na retoma económica, o BCE prepara-se para avançar com o ‘quantitative easing'. A instituição liderada por Mario Draghi poderá injectar cerca de um bilião de euros no sistema financeiro nos próximos dois anos.
Os mercados têm antecipado o programa com grande expectativa, mas há também quem alerte para os riscos de não funcionar. O Cirilo João Vieira falou com seis economistas portugueses, de vários sectores, que aplaudem a medida, mas não acreditam em milagres.
"Não tenho dificuldade em aceitar que se diga que é a medida certa na altura certa", diz Daniel Bessa, director-geral da Cotec e ex-ministro da Economia. No entanto, avisa, é preciso "muita prudência no que se refere à eficácia destas medidas". "Podemos levar a água, leia-se o dinheiro, à boca do cavalo, mas não podemos obriga-lo a beber", sublinha.
É que, para estimular a economia real, é preciso que os bancos passem para os agentes económicos o dinheiro que vão receber das vendas ao BCE, algo que está longe de estar garantido. Samuel da Rocha Lopes, professor da Universidade Nova e antigo economista do BCE, diz que esse risco aumenta "se o programa for pequeno e pouco agressivo". Se assim for, frisa, o ‘quantitative easing' "vai apenas funcionar através dos mercados financeiros, sendo apenas uma medida de liquidez como todas as anteriores". Rocha Lopes concorda ainda que "é a medida certa", mas "a altura é tardia".
Já Paula Carvalho, economista do BPI, afirma que ser ou não a medida certa "depende dos montantes que o BCE vier a comprar e da forma como o mercado interpretar". E lembra que, apesar de o programa ter funcionado nos Estados Unidos, isso não é garantia que funcione na Europa, porque os sistemas financeiros são diferentes e "não se pode estabelecer paralelos" entre os dois.
Depois, há ainda o problema de o BCE não poder fazer tudo sozinho. A zona euro, os Estados-membros e a outras instituições como a Comissão Europeia têm de fazer a sua parte para superar a crise. É esse o alerta de Nuno de Sousa Pereira, presidente da Porto Business School, que admite que o ‘quantitative easing' "é a única medida de política monetária que ainda por ter algum impacto", mas não terá sucesso sozinha. "É também necessário alterar as expectativas dos agentes quanto à evolução futura da procura e da solidez do projecto europeu". É que "uma Europa sem estratégia para o investimento" e isso "não está nas mãos do BCE".
"Precisamos reconstruir o mercado de trabalho, revalorizar o trabalho e criar confiança na economia", concretiza José Reis, economista da Universidade de Coimbra, para quem o programa do BCE não será suficiente "para resolver uma crise de procura" como se vive no euro. Ainda menos se, para satisfazer a Alemanha, Mario Draghi obrigar cada banco central nacional a assumir o risco dos títulos soberanos do respectivo Estado-membro. Nesse caso, garante, "vai ser um balde de água fria".
De qualquer forma, nota Francisco Veloso, director da Faculdade de Economia da Católica, no que diz respeito a combater a ameaça de deflação que paira sobre a zona euro - que arrisca agravar a crise de dívida, tornando-a mais difícil que seja paga -, o ‘quantitative easing' "parece mesmo ser uma das únicas medidas potencialmente eficazes no actual contexto".