Baptista Bastos
Cada vez se percebe menos o significado exacto dos discursos do Dr. Pedro Passos Coelho. Agora, numa magna reunião qualquer, confessou uma doce esperança, na "democracia partilhada." Partilhada como, com quem e com quê? Com os bancos, com a troika, com a senhora Merkel, com aqueles cujo rosto desconhecemos? O português não precisa de ser medianamente letrado para recusar esta "partilha." E, apesar da propaganda do Governo, já não admite, acrítico e resignado, a falácia do que lhe é dito.
As coisas ainda não se moveram o suficiente para que extraiamos conclusões. Porém, as últimas sondagens são de molde a fazer reflectir alguns e a alimentar noutros uma réstia de esperança. Não podemos continuar a assistir ao vexame de o Primeiro-Ministro de Portugal se comportar como um subalterno abjecto da Chanceler alemã. Ao seguir-lhe o passo e ao apoiá-la, em decisões gravíssimas, como a rejeição das euro-obrigações, contrariando Hollande, Monti, Rajoy, Juncker e instituições respeitáveis, Passos Coelho pareceu um servil trintanário.
O homem anda muito mal avisado, e sugiro ao meu velho amigo Luís Fontoura, lido, reflectido e sábio, que lhe indique uns livros e o persuada a dar a volta, ao arrepio desses "conselheiros", certamente inimigos, que o empurram para a fossa. De contrário, estamos todos tramados.
De facto, Passos anda em maré de azar. O caso Relvas veio dar forte machadada na já debilitada credibilidade do Governo. Depois, é a contestação a todos os níveis: até os patrões já começam a dizer que "isto não vai bem." O País despovoa-se de juventude, sequestrada por uma política sem direcção nem sentido, e apenas obcecada pela norma neoliberal, que não é norma, mas sim a monstruosidade de uma ideologia predadora. Os fins hegemónicos da doutrina Merkel são da mesma passada, coagindo a Europa (desprovida de líderes fortes, ou sequazes ideológicos) a um papel de miserável vassalagem.
A própria exposição mediática de Pedro Passos Coelho tem-no desfavorecido. A falta de contenção e a ausência de estrutura cultural prejudicam-no; e as assessorias, notoriamente, não o ajudam. Ele não sabe dar resposta adequada aos que indicam a falência acentuada do seu Governo. Não pode, aliás. E a dar continuação a um projecto roto encaminha o País para um desastre cujas consequências são imprevisíveis.
O Governo quer realizar dinheiro a todo o custo. E a acção das Finanças converteu-se num desporto particularmente requintado. O Fisco é um confisco. Com lapsos e enganos gravíssimos. Fazem-se penhoras apressadamente; e, quando o erro é divulgado, o mal já está feito. A devolução das importâncias extorquidas só muito tarde é cumprida. A morosidade da máquina administrativa não se compadece com os problemas humanos. É assim e assim tem de ser.
Até nestas coisas se verifica a fragilidade da organização do Estado.
A esquizofrenia alastrou, associada ao medo. O Governo diz e decreta, mesmo (ou sobretudo) que sejam decisões injustas e iníquas. A Justiça causa mal-estar. O que se faz, neste campo, é feito com a leviandade apontada pelo bastonário Marinho e Pinto. O seu estilo é criticado porque o País foi anestesiado: não há polémica, não há debate, não há controvérsia. Estamos em pleno domínio do pensamento único, e as vozes discordantes, dissentes, antagónicas, são tidas como "excessivas" ou "arrebatadas." Marinho e Pinto enfrenta não só a beligerância de adversários, como o ódio de numerosos e cavilosos interesses instalados. Numa sociedade como a nossa, quem sacuda a apatia e grite que o rei vai nu, é quase apontado à execração popular.
O discurso político é quase inexistente. Já sabemos o que deseja
Pedro Passos Coelho, nas linhas gerais do seu pensamento: a destruição do Estado Social, uma das maiores conquistas civilizacionais e morais saídas do século XX. Todavia, que faz o PS para enfrentar e combater com êxito esse projecto? Vagas declarações de princípio, desprezando, isso sim, as forças, sobretudo as sindicais, que se têm oposto, com coragem e denodo ao sombrio propósito ideológico.
Se a doutrina do PSD é conhecida, a do PS esboroa-se em contradições de toda a monta. Se Passos Coelho não é um doutrinador (ele repete o que ouve dizer a Angela Merkel), António José Seguro apresenta limitações culturais e políticas verdadeiramente devastadoras. Claro que ele é um líder de passagem. Mas se assim não for? Se, de um momento para o outro, circunstâncias extraordinárias o posicionam à frente do País?
As interrogações aqui ficam consignadas. Mas não é preciso ser futurologista, ou desses "politólogos" de televisão, para se saber que as coisas estão negras, muito negras.