quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Operação Demissão

 


Numa ação absolutamente inédita, o Ministério Público lançou uma operação judicial de buscas e detenção sem a batizar. A investigação levou à demissão do primeiro-ministro, António Costa, e quando este facto for referido em livros de história ou artigos de jornal vamos ter sempre a sensação de que falta qualquer coisa. Operação ….


É que nem era muito difícil: em causa estão indícios de corrupção e tráfico de influência relacionados com a exploração de lítio e hidrogénio verde e a construção em Sines de um espetacular data-center que iria (irá ainda?) atrair investimento estrangeiro de milhões de euros.

O caso envolve almoços e jantaradas de “valor não despiciendo” pagos a um ministro importante do Governo, a amizade com António Costa usada como arma de pressão, uma estrada de 20 milhões de euros que serviu como presente para corromper, motoristas do Governo a transportar Galambas juniores, garrafas de vinho e investimentos a passar de 500 milhões para 2 mil milhões de euros.

O processo tem arguidos com a dimensão de João Galamba, o ministro das Infraestruturas que depois de resistir à tempestade TAP /Marcelo e de achincalhar o Presidente da República no Parlamento acaba por arrastar Costa e o Governo para um fim inglório; Diogo Lacerda Machado, o conselheiro e melhor amigo do PM demissionário que até faz parte do rol de detidos que não se livrará de uma noite, no mínimo atrás das grades ; Vítor Escária, chefe de gabinete de Costa com experiência em processos judiciais como a Operação Marquês ou o Galp Gate (aí estão dois bons títulos); o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, que se torna notícia pelas piores razões ou o presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, também obrigado a trocar os Paços do Concelho pela Esquadra de Moscavide. Os cinco detidos foram interrogados ontem por um juiz de instrução criminal que determinará o seu futuro próximo e se aguardarão em liberdade o desfecho da investigação.

Mais: pela primeira vez desde que há democracia (para trás não sei, confesso) houve buscas na residência oficial do primeiro-ministro em funções. Operação São Bento era assim tão mau?

Ainda por cima, os procuradores liderados pelo magistrado João Paulo Centeno enviaram para o Supremo Tribunal de Justiça suspeitas relacionadas com uma suposta interferência de Costa para “desbloquear” negócios considerados ilícitos. “Obviamente” (as palavras são do futuro ex-primeiro-ministro) António Costa viu-se obrigado a pedir a demissão, repetindo o mantra que já tinha usado para comentar casos judicias que envolveram membros do seu Governo e até o inimigo íntimo, José Sócrates: “À Política o que é da Política, à Justiça o que é da Justiça.”


Esta Operação Demissão (este título não dava, admito) terá como consequência, para além da saída de Costa após oito anos de governação, a queda inevitável deste Governo que, apesar da maioria absoluta conquistada há menos de dois anos, nunca conseguiu governar em paz por causa de casos e casinhos que terminaram com um casão.

Ontem mesmo o Presidente da República – para quem a operação do Ministério Público podia muito bem chamar-se “Eu avisei” – vai ouvir os partidos com assento parlamentar. Depois, já hoje, reunirá o Conselho de Estado e deverá então marcar novas eleições para, previsivelmente, daqui a dois meses. Tem ainda a hipótese de nomear um novo Governo sem a realização de eleições.

No Partido Socialista, já começou a Operação Sucessão com dois nomes óbvios à cabeça: Pedro Nuno Santos, que saltou do barco no meio da tempestade TAP e Fernando Medina, sob quem paira a sombra do processo Tutti-Frutii (fica no ouvido, não é?).Na oposição, afiam-se as facas para o assalto ao poder.

Costa, a quem a voz só tremeu quando agradeceu à mulher o apoio que recebeu nestes anos ao leme, garantiu ontem numa breve declaração de despedida que “não será candidato” a primeiro-ministro. Para ele, a Operação Poder acabou, Por agora. Para já, vai ser investigado, deverá ser constituído arguido e o Ministério Público do Supremo terá de decidir se há ou não indícios suficientes para o acusar. Depois, começará a nova vida do homem que já foi secretário de Estado, ministro, presidente de Câmara e primeiro-ministro. Só lhe falta um grande cargo no currículo politico.