terça-feira, 12 de abril de 2016

O que queremos ser quando formos grandes

O país anda com cargas elevadas de testosterona. Depois de João Soares ter ameaçado dar bofetadas em Vasco Pulido Valente e Augusto M. Seabra, agora é Nuno Morais Sarmento, pugilista nas horas vagas, que diz na Renascença que já teve vontade de dar dois murros em Manuel Maria Carrilho. Não há só testosterona, também há adrenalina. No tema das offshores.

Os “Panama Papers” ocupam as primeiras páginas dos jornais há vários dias. O Expresso publicou ontem às 18 horas documentos que demonstram a ligação de Ilídio às offshores do Panamá. O empresário, recorde-se, tinha negado no sábado qualquer relação. Já hoje, o Correio da Manhã relaciona o caso com José Sócrates, dizendo que os dinheiros suspeitos de terem circulado ilegalmente no processo Vale do Lobo tiveram como destino a ES Enterprises.

A ES Enterprises, o chamado “saco azul” do Grupo Espírito Santo (a expressão original é do Público), é uma sociedade que fez pagamentos sem deixar rasto durante mais de vinte anos, como o Expresso revelou no sábado. Trata-se da empresa mais misteriosa de uma rede de mais de 300 sociedades offshores criadas no âmbito do Grupo que colapsou em 2014.

(Por falar em colapso do GES, o Negócios noticia hoje que a fazenda de 20 mil hectares – isso mesmo, 20 mil hectares - de arroz e soja do GES no Brasil foi colocada à venda).

Também o jornal i prossegue o desenvolvimento do caso. Hoje, foi pesquisar benefícios fiscais de 42 milhões dados pelas Finanças ao longo dos anos a empresas já identificadas como tendo tido ligações com offshores criadas pela Mossack Fonseca.

No Panamá existem quatro advogados para um médico. É tanto um sinal de riqueza como de pobreza”, escreve Fernando Sobral no Negócios, sobre estes paraísos fiscais que só o são enquanto mealheiros de fortunas discretas, secretas, ocultas – ou as três coisas.

No Jornal de Notícias, Mariana Mortágua conta uma conversa de 15 minutos que teve com um anónimo que lhe contou como nos anos 80 "achava que estava a enriquecer” mas nos anos 90 percebeu que “era tudo um balão, que quando furado, esvaziaria”: um negócio têxtil que beneficiou de subsídios da CEE que estoirou quando o euro (e a globalização) trouxe uma concorrência furiosa no setor. Este homem, cuja história é relatada como exemplo, chegou a esconder quase um milhão de contos (cinco milhões de euros) em offshores.

Esta conversa anónima com a deputada do Bloco de Esquerda não trouxe informação útil à investigação, mas é de muitas informações úteis que uma investigação como estas se compõe. Se não fosse uma gigantesca fuga de informação de ficheiros da Mossack Fonseca, esta investigação jornalística não seria possível. É assim em muitos dos casos nos últimos anos, em que os chamados “whistleblower” (os “assobiadores”, nome para denunciantes) recolhem e enviam informação para investigações posteriores. “Leaks” tornou-se sufixo de grandes processos destes. “Leak” quer dizer fuga – fuga de informação.

Estes denunciantes arriscam muitas vezes o pescoço na recolha da informação, o que revela grande coragem em nome de um interesse coletivo superior. Este tipo de investigação é aquilo que os jornalistas quando são pequenos querem fazer quando forem grandes. Mas há outras pessoas que engrandecem quando participam nas investigações espoletando-as ou municiando-as com informações, documentos e dados aos que podem depois ser consequentes na investigação.

Ontem, os jornalistas Micael Pereira (Expresso) e Rui Araújo (TVI) falaram disso no Prós e Contras, sublinhando a parceria entre estes dois órgãos portugueses na investigação mundial dos “Panama Papers”.

Mais de 240 portugueses foram apanhados com offshores no Panamá. Nem todos são criminosos. Mas muitos são mentirosos”, escreve Sérgio Figueiredo, o diretor de informação da TVI, na sua coluna semanal do Diário de Notícias.

É do conjunto destas denúncias e investigações que o mundo vai melhorando, mesmo que a passos de bebé. A União Europeia já veio dizer que quer total transparência das grandes empresas quanto aos lucros e aos impostos. No Negócios, Niels Johannesen, professor e investigador na universidade de Copenhaga, afirma: "Daqui a dez anos não espero escândalos como o Panamá Papers". Porque, resume a jornalista Elisabete Miranda, “com a troca automática de informações, dentro de pouco tempo os bancos vão estar a reportar dados às autoridades fiscais de meio mundo. Será o fim do segredo bancário e de escândalos como o do Panamá”.

A luz faz-se um bocadinho de cada vez todos os dias. Por todos os investigadores e pelos corajosos que recolhem informação. Por interesse público.
 
 OUTRAS NOTÍCIAS
 
António Guterres tem hoje a sua primeira audição nas Nações Unidas na campanha para ser secretário-geral da organização. É às 20 horas de Lisboa. O sucesso é muito difícil e, como explica a Luísa Meireles, quatro mulheres podem tramar-lhe a vida. Uma é Angela Merkel. Se avançar.

A comissão especial da Câmara dos Deputados do Brasil aprovou esta segunda-feira o relatório que propõe a destituição da Presidente Dilma Rousseff, relata o Jornal de Notícias. O Público nota que, quando se soube o resultado da votação, “os deputados favoráveis à destituição celebraram e começaram a cantar o hino nacional”. “Não há qualquer razão política ou constitucional para o impeachment”, diz Miguel Sousa Tavares. Michel Temer parece dar como certo que vai substituir Dilma Roussef na presidência. E já treina como tal. No WhatsApp.

Luís Castro Mendes, o novo ministro da Cultura, “é uma escolha que parece agradar”, escreve o Jornal de Notícias.

É costume dizer que o banco só se engana a seu próprio favor. Certo? Errado. Numa história rocambolesca, ficámos a saber que o Novo Banco transferiu milhares de euros por engano para antigos clientes. Agora, como noticia o Público a recuperação não é automática. Fonte da Caixa Geral de Depósitos, de que clientes receberam o dinheiro, confirmou o erro ao Económico.

Banco mau, banco mau… A ideia foi de Carlos Costa e está a ser abraçada pelo governo: um caixote do lixo para extirpar ativos tóxicos dos bancos, numa solução semelhante à da Espanha. Mas também à da Irlanda e de Itália, como compara o Público. Alguém tem de pagar, lembra o Observador. Adivinhe quem gosta da conversa? A Associação Portuguesa de Bancos, ouviu o Económico. Na Renascença, Nuno Morais Sarmento diz que o PSD tem de discutir a proposta do governo.

o acordo para o BPI está por detalhar mas implica que o Caixabank lance uma nova OPA sobre o banco português, escreve o Económico. O Diário de Notícias conclui que cotar o BFA na Bolsa de Lisboa “é uma boa notícia”.

Se ainda não decorou este nome, vai acabar por decorá-lo: Diogo Lacerda Machado, o melhor amigo de António Costa, vai ser formalmente contratado pelo Estado nos próximos dias para prestar serviços de consultoria. Foi o próprio primeiro-ministro que o revelou em entrevista ao DN/TSF, afirmando não achar “estonteante” o interesse da comunicação social neste nome. Nós explicamos: a intervenção em diversos dossiês (como o papel comercial do Novo Banco e a TAP) justificam-no. Até porque, no caso da TAP, Lacerda Machado esteve envolvido no negócio mais ruinoso de sempre para a companhia, a compra da VEM. Notícia hoje no Público.

O Supremo decidiu que Sabrina de Sousa, a ex-agente da CIA que vive em Portugal, vai para Itália. Mas se quiser volta.
O CDS quer premiar empresas amigas das famílias. A medida consta de um pacote de propostas sobre demografia, natalidade e família que a líder centrista Assunção Cristas apresenta esta tarde, na sede nacional do partido. E com que assinala a passagem de um mês à frente do CDS. Aqui no Expresso.

Quanto tempo já perdeu hoje no trânsito? E quanto vai ainda perder? Depende da cidade onde viver. Se for em Lisboa, a média é de 35 minutos diários: cinco dias e meio por ano fechado dentro do meio de transporte. No Porto a média diária é de 27 minutos: mais de quatro dias e oito horas por ano. O relatório faz manchete do Jornal de Notícias.

Já agora, saiba onde a PSP vai ter radares até ao fim do mês.

Vídeo de afegãos manietados enche televisões na Bulgária. Um grupo de vigilantes foi filmado a atar mãos de três refugiados atrás das costas e a deitá-los no chão, ordenando-lhes que abandonem a Bulgária e que voltem para a Turquia.

Em Espanha, o PSOE saiu das negociações para formar governo, resignando-se a um cenário de novas eleições.

“Olá Europa. Sou eu, o Leicester. O quase campeão inglês”. A história contada pela Mariana Cabral no Expresso  deve ser lida por quem gosta de desporto e de heróis improváveis. Faltam cinco jornadas para o fim da Liga Inglesa de futebol. “Je suis Leicester”, escreve Henrique Raposo.

Souto de Moura distinguido com Prémio Carreira da Bienal Ibero-Americana, titula o Público. Foram também premiados o Atelier Aires Mateus, SAMI e Menos É Mais, com João Mendes Ribeiro.

FRASES
Os primeiros-ministros de Portugal e da Grécia assinaram uma declaração conjunta contra a austeridade na Europa. Mal comparado, é assim como o Tondela e a Académica se unirem contra a Liga de Clubes”. SA, o cartoon diário de Luís Afonso no Negócios.

Às vezes penso que fomos longe de mais [na série House of Cards, sobre a política americana], mas depois vejo as notícias”. Kevin Spacey, ator que faz de Presidente dos Estados Unidos na série. No Público.

Se António Costa pretende limpar o crédito malparado [com um novo banco mau] da Banca, tudo bem. Desde que não exija aos portugueses nem mais um cêntimo. (…) Terão os bancos capacidade de libertar o crédito malparado - constituído sobretudo por imobiliário - que ninguém parece interessado em adquirir e substituir esse património, considerado um ativo, por dinheiro? Ninguém minimamente atento acreditará em tal possibilidade.Paula Ferreira, no Jornal de Notícias.

O PSD e o CDS têm medo de parecer “ideológicos”. O PCP e o BE receiam passar por “irresponsáveis”. O resultado é este: um país onde não há nada para discutir. Resta-nos ouvir Mario Draghi.” Rui Ramos, no Observador.


O QUE EU ANDO A LER
“que mínima gente vem por aí à volta e aperta aperta / que nem se pode respirar”. Nasceu um novo livro do homem que morreu velho. “Letra Aberta”, de Herberto Helder, que nos deixou há pouco mais de um ano, então com 84 de vida.

A edição é da Porto Editora, que sublinha que não se trata de uma edição crítica da obra inédita, mas “apenas de uma escolha realizada pela viúva do poeta”. E nós “a lê-lo, que loucura, que estrela”.

O conjunto de poemas é, como o é desde “Servidões”, muito sobre a morte que se aproxima e sobre a vida que se distancia. E sobre a palavra e o nome que “rebenta na boca, digamos, como uma castanha assada”. Mas há ainda sexo, ainda amor, no fim da vida é-se o que fizemos dela e ela de nós.

“e punha o sê-lo da minha boca e tu acordavas toda
e ficavas tocada toda todo o tempo
lá no cabo do mundo onde morávamos durante um momento”

Herberto Helder é (o tempo verbal não é um lapso, muito menos um acaso), um dos maiores poetas portugueses, no “poema contínuo” que escreveu toda a vida, longe do mediatismo que acabou por ter depois de morto, isto é, depois de vivo. Se a notoriedade póstuma o tornar mais lido, então é benévola.

Tenha um dia bom. Mesmo bom.

“- e eu pedi ao balcão: dê-me um poema,
e o empregado olhou para mim estupefacto:
- isto aqui é o mundo, monsieur, aqui não se servem bebidas alcoólicas”.