Financial Times-O Financial Times publicou sexta-feira última um longo artigo em que explica ter encontrado vários erros nas fórmulas e nos dados usados pelo economista Thomas Piketty no aclamado livro O Capital no Século XXI, que analisa a desigualdade de rendimentos e riqueza nos últimos 200 anos na Europa e nos EUA.
As fontes e as folhas de cálculo usadas por Piketty foram disponibilizadas pelo próprio na Internet. O editor de economia do jornal britânico, Chris Giles, debruçou-se sobre aquele material e diz que Piketty se enganou a copiar alguns números, que fez ajustes às fórmulas para que os resultados sustentassem a tese do aumento da desigualdade, que recorreu a dados de anos errados para extrair conclusões e que apresentou gráficos com dados para períodos em relação aos quais não existe nenhuma fonte.
“Quando estava a escrever um artigo sobre a distribuição da riqueza no Reino Unido, notei uma discrepância séria entre a concentração de riqueza contemporânea descrita em O Capital no Século XXI e aquela que estava nas estatísticas oficiais do Reino Unido”, escreve o jornalista, explicando que isso o levou a analisar as contas do economista francês. “Descobri que as estimativas dele de desigualdade na riqueza – a peça central de O Capital no Século XXI – estão minadas por uma série de problemas e erros. Alguns assuntos são problemas de fontes e de definições. Alguns números parecem ser simplesmente tirados do ar”.
Numa resposta escrita ao jornal, que foi publicada na íntegra, Piketty começa por afirmar que colocou os ficheiros online porque quer “promover um debate aberto e transparente” e argumenta que se tivesse algo a esconder não teria disponibilizado aquela informação.
“Tal como escrevi claramente no livro, no apêndice online e nos muitos artigos técnicos que publiquei sobre este tópico, é preciso fazer uma série de ajustamentos às fontes de dados para as tornar mais homogéneas ao longo do tempo e entre países”, prossegue Piketty (cujo livro será tema de um trabalho na revista 2 deste domingo). “Tentei no contexto deste livro fazer as decisões e escolhas mais justificadas sobre as fontes de informação e ajustamentos”. O economista admite que as fontes de informação históricas existentes sobre riqueza precisam de ser melhoradas, mas diz que ficaria “muito surpreendido se alguma conclusão substantiva sobre a evolução de longo prazo das distribuições de riqueza fosse muito afectada por estes melhoramentos”.
Na resposta, Piketty remete também para um artigo científico recente de dois investigadores (um da Universidade de Berkeley e outro da London School of Economics) sobre a desigualdade de riqueza nos EUA. O autor nota que as conclusões a que este trabalho chega são semelhantes às que estão no livro.
Os erros a que o Financial Times se refere dizem respeito aos dados relativos à riqueza, sobre a qual o autor já tinha admitido haver menos fontes de informação. O livro analisa também a evolução do rendimento. A principal tese é a de que o retorno do capital é superior ao crescimento económico e que a riqueza tende a concentrar-se numa minoria. O livro tornou-se um best-seller, tendo recebido vários elogios de outros economistas, incluindo do Prémio Nobel Paul Krugman, embora também tenha sido alvo de várias reparos. O colunista do Financial Times Martin Wolf, por exemplo, tinha destacado a importância do livro, mas referido “fraquezas claras” em algumas das ideias do autor. No entanto, esta crítica não se referia às conclusões estatísticas.
Chris Giles aponta muitos pontos que considera errados nas folhas de cálculo de Piketty. Numa delas, os números sobre a concentração de riqueza nos EUA em 1908 não são os que estão na fonte indicada pelo próprio economista. O jornalista sugere que se tratou de um simples erro de transcrição, já que o valor é igual ao de outro ano na tabela original. Num outro caso, o jornalista observou ajustamentos "arbitrários" e não explicados nas fórmulas. Por exemplo, à fórmula para calcular a percentagem de riqueza detida pelo 1% de pessoas mais ricas dos EUA em 1970 foram somados dois pontos percentuais. Ainda numa outra das muitas falhas descritas, o jornal diz que Piketty usou dados de 1935 da Suécia como se fossem valores para o início daquela década, procedimento semelhante ao que fez para outros países e anos.