Bissau - A Comunidade Internacional, e nomeadamente a ONU, está a apoiar a
Guiné-Bissau no sentido de se criar um programa de proteção de testemunhas, para
através dele se concluírem processos relativos a crimes ocorridos no país.
De acordo com Antero Lopes, do gabinete das Nações Unidas em Bissau
(UNIOGBIS), "se estiverem criadas as condições para que as testemunhas não
tenham medo de exercer os seus direitos e deveres, a produção de prova far-se-á
de acordo com o que está prescrito na lei e os processos poderão ser
concluídos".
Antero Lopes falava terça-feira em Bissau após o início do
II Fórum Nacional sobre Justiça Criminal (o primeiro foi em Novembro do ano
passado), organizado pelo UNIOGBIS e pelo Supremo Tribunal de Justiça, e que
junta na capital guineense magistrados, investigadores, advogados e
académicos.
Para o responsável, o processo de justiça na Guiné-Bissau e o
sentimento geral de que há total impunidade tem "uma lacuna evidente", que é a
da "dificuldade na preservação dos meios de prova", pelo que um programa de
proteção de testemunhas poderia ajudar na conclusão de processos em
investigação.
O sentimento de impunidade é generalizado na Guiné-Bissau, um país
onde ciclicamente ocorrem crimes sem que os infractores sejam punidos. Nos
últimos anos têm sido assassinadas figuras públicas, e outras espancadas, mas
até hoje ninguém foi levado à justiça.
Questionado sobre para que servem tantas reuniões e discussões
sobre impunidade, se nada mudou até agora, o vice-presidente do Supremo Tribunal
de Justiça, Paulo Sanhá, disse aos jornalistas que os tribunais não podem fazer
nada quando os processos estão em investigação.
"Há uma cadeia de órgãos que intervêm para que a justiça seja
feita, desde a Polícia ao Ministério Público. Os tribunais só recebem o processo
acusado. Os processos que chegam ao tribunal na maioria já estão a ser julgados
ou estão agendados", observou, acrescentando: "A impunidade não depende dos
tribunais".
Antero Lopes reconheceu que existe essa impunidade mas considerou
que tem "havido passos" no sentido de a resolver.
Hoje há uma participação mais activa "dos actores militares e penso
que é um sinal positivo, de aproximação, de trabalhar em conjunto para ajudar a
combater as questões que dão azo a uma perceção generalizada de impunidade",
disse.
"Há dificuldades no processo de justiça" mas reuniões como a de
justiça criminal servem para sensibilizar os "atores do sistema de justiça criminal, que
estão de facto empenhados em fazer justiça", mas sensibilizar também "as
estruturas políticas", disse, acrescentando: "O que eu vejo é congregação de
esforços que não tínhamos, vejo abertura das estruturas militares em vir debater
os problemas da impunidade com os colegas civis".
Menos optimista, Francilino Nhaga, padre de Bissau, disse na reunião
que vê na Guiné-Bissau uma sensação generalizada de que "a punição é rara", de
que há uma "displicência na pena" e de que a justiça não funciona.
"Não há um condutor neste país que atropele alguém e que fique para
socorrer" (por ter medo de ser morto), disse, para concluir que "o sistema
judicial é posto em causa pela sua falta de credibilidade e ausência de
poder".
Guiné-Bissau, disse também, é um país "onde a polícia solta um
detido após receber um telefonema de 50 segundos e onde "muitos juízes não
escondem a sua filiação partidária".
E a impunidade, advertiu, leva os criminosos a reincidirem nos
crimes porque "têm a certeza absoluta de que ficarão impunes", sendo também "a
maior geradora de medo" e de corrupção.