Excisão genital é muito comum em África, apesar de todos os alertas e tentativas de abolição da sua prática
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Guiné-Bissau-A mutilação genital feminina afeta 50% das mulheres na Guiné-Bissau, um ano depois de aprovada uma lei que a proíbe, alertou em Bissau o ministro da Saúde do Governo de transição, Agostinho Cá.
"Não é admissível que a cultura seja utilizada como justificação para o sofrimento de parte da população", disse o ministro na abertura da "Conferência Islâmica para o abandono da mutilação genital feminina", que durante dois dias junta em Bissau especialistas sobre a prática, muito comum especialmente em África.
Domingas Gomes, presidente de uma organização não-governamental (Sini Mira Nassique) que há mais anos luta contra a prática da excisão na Guiné-Bissau, concorda com o número apresentado pelo ministro, exponenciado pela presença de populações de países vizinhos.
Num inquérito feito pela ONG no ano passado resultou que 44,5% das mulheres guineenses eram mutiladas, mas neste momento Domingas Gomes acha que o valor atual pode ser de 50%, "por causa de pessoas dos países vizinhos que estão a excisar as suas crianças às escondidas".
Excisões feitas às escondidas
Também presidente do projeto DJINOPI (Djintis nô pintcha, que em português quer dizer "Pessoal, vamos em frente"), que junta organizações que lutam contra a excisão genital feminina e que é apoiada pelo WFD (Weltfriedensdienst, Serviço Comunitário para a paz mundial, de origem alemã), Domingas Gomes garante: apesar da lei que a proíbe, a excisão continua a ser feita na Guiné-Bissau.
"Sabemos que não há aquele número de barracas (para praticar a excisão) como antes, mas continuam a fazer a excisão feminina às escondidas", e agora "de forma muito mais perigosa" porque sem controlo, disse a responsável, considerando que a lei (de setembro de 2011) é importante mas que o "trabalho essencial" é a sensibilização das comunidades.
"Se têm conhecimentos vão deixar de fazer mas por causa da lei não estão a cumprir. Só com a lei vão continuar a fazer aquilo que querem, porque mutilar uma criança no seu quarto ninguém vai saber. O pilar mais forte é consciencializar", adverte.
Por isso, a responsável considera ser importante trabalhar com os líderes religiosos, que "são pessoas credíveis nas suas comunidades". E esse é o objetivo da conferência realizada em Bissau, apoiada pelo DJINOPI mas também pela TARGET, outra organização não-governamental alemã que luta contra a mutilação, pelas Nações Unidas e pelo Conselho Superior dos Assuntos Islâmicos da Guiné-Bissau.
No evento vão participar, ao longo de dois dias, nomes como Mohamed Shama, professor de estudos islâmicos no Egito, Mahamadou Diallo, presidente da Associação Maliana para a Paz e Saúde, Muhamadou Sanuwo, imã gambiano, ou Ousmane Sow, da Rede Islâmica e da População, do Senegal.
Pela TARGET-Direitos Humanos estão Tarafa Baghajati (consultor) e o próprio presidente da organização, Ruediger Nehberg. E também Tcherno Embaló, presidente do Conselho Superior dos Assuntos Islâmicos na Guiné-Bissau, e Malam Djassi, vice-presidente do Comité Nacional para o Abandono das Práticas Nefastas contra a Mulher e a Criança.
Prática transversal a todas as etnias
Do trabalho que produzirem em dois dias espera-se que saia uma declaração (fatwa), anunciada na próxima sexta-feira numa das mesquitas de Bissau.
A UNICEF estima que a excisão genital (corte do clitóris) é uma prática que atinge 45% das guineenses entre os 7 e os 12 anos. A excisão pratica-se essencialmente pela comunidade islâmica, mas também por alguns grupos animistas.
Na Guiné-Bissau a prática é mais frequente na zona leste, nas regiões de Bafatá e Gabu. Também se pratica nas regiões de Oio e Cacheu (norte), Quinara, Tombali (sul) e Bolama-Bijagós. É transversal praticamente a todas as etnias.