Brasil-Até pouco tempo, não era incomum encontrar pichações em muros brasileiros com os dizeres "Fora FMI", resquícios dos mandos do Fundo Monetário Internacional nas políticas do país em troca de seus empréstimos. Hoje, a situação mudou um pouco de figura: quem deve obedecer as regras da instituição são os próprios europeus.
A atuação do Fundo é algo que aproxima a América Latina da década de 1990 e de 2000 da Europa atual - tanto em termos de mecanismos de ajuda quanto na reação da população às regras estabelecidas pela instituição.Porém, parece que as autoridades internacionais não aprenderam com os erros e continuam a repeti-los.
"Quando comparamos com o caso da América Latina, temos a impressão de que as instituições internacionais não compreenderam totalmente as lições do passado", afirma Carlos Quenan, professor da Universidade Sorbonne e economista do Natixis para América Latina.Ele compara a atuação do FMI à de bombeiros que apagam apenas focos de incêndio e não o fogo todo.
Semelhanças com a crise Argentina
Para entender a comparação, é necessário voltar pelo menos até o início dos anos 2000, época em que a Argentina declarou moratória da dívida, e ver quais lições poderiam ser tiradas.
Em artigo publicado no ano passado, o professor Quenan compara a crise argentina com a grega, identificando semelhanças como a acumulação de déficits públicos, a perda do acesso aos mercados e a necessidade de pedir ajuda ao FMI, trazendo como consequência a obrigação de por em prática planos de ajuste, em uma economia que tem câmbio fixo.
"Você tem a ideia do que deve ser um ajuste fiscal, mas as medidas de ajuste não podem incluir uma desvalorização importante, então o ajuste deve ser através da queda de salário nominal", conta.
O problema é que, quando o câmbio é flutuante, a desvalorização feita é distribuída entre diferentes atores. Porém, quando ele é fixo, como na Europa e na Argentina dos anos 90, essa desvalorização é feita principalmente através da queda nominal do salário - de forma que são basicamente os assalariados que "pagam o custo" do ajuste.
Além do ajuste, há também a ideia de que a responsabilidade fundamental é do país devedor. "No caso da América Latina, o Fundo foi muito criticado porque tentou o tempo todo produzir um ajuste e não percebeu que tinha também que produzir uma reestruturação, uma queda no valor da dívida", diz Quenan.Na Argentina, isso tudo terminou não apenas em crise sócio-política, mas também com o default da dívida.
Lições da América Latina
A principal lição é o perigo de tentar produzir um ajuste quando há uma taxa de câmbio fixa, em que as medidas são concentradas na redução de variáveis nominais, como os salários e as aposentadorias, por exemplo.
Nesta situação, segundo Quenan, pode-se criar um ciclo vicioso de queda nessas variáveis, diminuição da demanda e das expectativas com o futuro.
"Isso faz com que você gaste menos, então o crescimento pós-primeiro ajuste é muito mais fraco do que o previsto e os resultados fiscais são ruins. E você é obrigado a fazer um novo ajuste e isso é um ciclo vicioso em que você está sempre correndo atrás do problema", resume.
A segunda lição é que, para o ajuste ser positivo, é necessário pensar na reconversão produtiva do país. No caso da Grécia, isso é mais difícil, porque não há um aparato produtivo. Mas Espanha e Itália possuem.
Atuação do FMI e autoridades europeias
"Obviamente o FMI tinha um papel mais importante nas décadas de 80 e 90 do que tem hoje. Mas os mecanismos de atuação são parecidos. Ele tem recursos que, para serem acessados, tem condições", afirma o professor Rodrigo Zeidan, da Fundação Dom Cabral.
"Essas regras que o FMI considera saudáveis não necessariamente são as melhores regras. No caso brasileiro foi horrível para nossa sociedade", completa.
Para Carlos Quenan, há uma diferença fundamental: "o Fundo agora não atua sozinho. Há a Troika: Banco Central Europeu (BCE), FMI e Comissão Europeia, que devem atuar coordenadamente".
Ele afirma que o FMI foi mais flexível com a Europa do que com os países latino-americanos, principalmente no período de Dominique Strauss-Kahn, em 2010, quando a Grécia começou a apresentar problemas e necessitou do primeiro plano de resgate. As medidas mais ortodoxas são do BCE.
Porém, de qualquer maneira, Quenan acredita que as instituições não estão pensando nas lições latino-americanas, com uma estratégia essencialmente financeira.
"Me parece que até agora, a maneira de agir das autoridades europeias e do FMI é parecida com um bombeiro que vem e, quando o fogo é mais vivo aqui, apaga esse foco. Mas diz que não pode apagar tudo e vai embora. Uns dias mais tarde tem outro foco ali, os bombeiros vêm e apagam", compara.
"Estamos com isso há meses e meses e, entretanto, a casa começa a debilitar-se. O fogo ganha as bases de tudo. E este é um problema, porque o bombeiro não mostra vontade de acabar com incêndio".
Crise sócio-política
Outro cenário crítico que essa atuação poderia resultar é a crise sócio-política. Além dos problemas políticos na Argentina e no Equador, Quenan volta ainda mais ao passado e relembra os processos que pavimentaram a ascensão de Hugo Chávez na Venezuela.
A crise de 1989, mais os efeitos de políticas de ajuste intermináveis, contribuíram com a perda de crédito da classe política e favoreceram a emergência do Chávez.
"Vemos isso no caso da Grécia, com as eleições recentes. No caso da Espanha, há estudos cada vez mais mostrando que a população é muito crítica em relação ao sistema de partidos", conta.