quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Advogado Conta Como Foi Defender Mandela há Quase 50 anos


Africa do Sul-Foi devido ao avanço alemão na Segunda Guerra que, aos 13 anos, George Bizos teve de abandonar a Grécia, onde nasceu, e se refugiar na África do Sul. Lá, ele se tornaria um dos mais importantes advogados de ativistas contrários ao apartheid, o sistema de segregação racial branco extinto em 1994. Um de seus casos foi defender Nelson Mandela no julgamento em que o líder escapou da pena de morte, em 1963.

Conheci Nelson Mandela em 1948, na faculdade de direito. Ele era meu veterano e um ativo opositor do governo que acabara de ser eleito com sua política de apartheid. Já era notável. Era alto, bonito, fazia ótimos discursos. Era também o mais bem vestido.

Mandela queria se tornar o primeiro advogado negro da África do Sul, mas acabou impedido pelo reitor. Foi reprovado numa disciplina e proibido de repetir o exame. Não teve escolha senão tornar-se consultor jurídico. Trabalhamos juntos em vários casos.

Em 1956, Mandela e mais 150 foram presos e acusados de traição. Eu era parte de um time de quatro advogados, e usamos o júri para mostrar ao mundo a verdade: que eles defendiam a igualdade para todas as pessoas do país e que os brancos não tinham nada a temer, já que integrariam a nova sociedade. Cinco anos depois, foram absolvidos.

Mandela foi preso em 1962, ao retornar de uma viagem ao exterior tida como ilegal. Em 1963, ele e outros foram acusado de sabotagem e de outros crimes equivalentes ao de traição, mas mais fáceis de serem provados. E eles, de fato, admitiam seu envolvimento em ataques.

O caso ficou conhecido no mundo todo como Tribunal de Rivonia, e o discurso que Mandela fez, no fim da sessão, foi um dos mais importantes da sua carreira.

Disse: "Durante minha vida, eu me dediquei à luta do povo africano.Lutei contra a dominação branca e contra a dominação negra. Nutri a ideia de uma sociedade democrática e livre na qual todos vivem juntos em harmonia, com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e que espero alcançar. Mas, se preciso for, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer".

Os detratores espalharam boatos de que um negro jamais poderia ter escrito aquele discurso. Mas eles se esqueciam de que Mandela era um advogado.

Só o que fiz foi dizer, pouco antes de ele discursar: "Nelson, isso pode ser interpretado como se você estivesse buscando o martírio. Por que você não adiciona as palavras 'se preciso for'?".

Nas folhas originais se vê a anotação, à mão, "se preciso for". [Mandela escapou da pena de morte, mas foi condenado à prisão perpétua. Foi libertado em 1990.]

Sempre o visitava na prisão, ainda mais quando entrei para a comissão que escrevia a Constituição sul-africana, porque ele queria dar umas ideias. Ele é um democrata de coração. Não dita, discute. Sempre começa frases com: "O que aconteceria se...". Tivemos a sorte de ter um líder como Mandela. Ele convenceu a maioria a não temer uma grande mudança.

Depois de cumprir seu mandato, Mandela rejeitou a reeleição, torcendo para que outros líderes africanos seguissem seu exemplo, mas isso não aconteceu. Distante da política, criou a Fundação Nelson Mandela, viajou e discursou muito pelo mundo.

Com a velhice, ficou menos ativo. Somos amigos e nos vemos com frequência. Ele está com 94 anos, e sua memória está falhando. Como muitos idosos --inclusive eu--, ele se esquece do que ocorreu há pouco tempo, mas se lembra bem dos anos 50, 60 e 70.

Hoje ele está bem. Mas vira e mexe um amigo recebe um e-mail perguntando se ele morreu. Jornalistas que estão escrevendo o obituário de Mandela pedem que eu fale sobre ele no passado. Não estou preparado para isso. Por acaso dá para imaginar como estaria o mundo se Mandela tivesse sido executado?

Três séculos e meio de injustiça contra a vasta maioria da África do Sul não podem ser curados em anos.

Há ainda pobreza, desemprego e falta de oportunidades, para a decepção de muitos de nós. O desemprego empurra algumas pessoas para o crime, há corrupção. Mas nosso Judiciário é forte, e a maioria dos sul-africanos acredita que sua independência deve ser protegida.