O corredor de saída da população de Gaza, rumo ao sul, fechou. A grande ofensiva das forças israelitas em território palestiniano, por terra, ar e mar, pode ter início a qualquer momento. Junto à fronteira está a maior concentração de tropas desde a guerra de 1973. A Força Aérea anunciou “uma abordagem agressiva” no apoio ao Exército. O objetivo é “erradicar” o Hamas, o movimento islamita que no passado dia 7 de outubro lançou um ataque terrorista contra Israel que matou 1400 pessoas e feriu 3500. Cerca de 155 terão sido raptadas, 6 das quais com nacionalidade luso-israelita.
“Os soldados estão prontos para derrotar o monstro sanguinário que se levantou contra nós para nos destruir”, afirmou o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu. “Vamos atacá-los em todos sítios, vamos atacar todos os comandantes, todos os dirigentes e destruir infraestruturas. Vamos fazer algo grande e importante que vai mudar a situação durante muito tempo e de forma clara”, acrescentou o chefe das Forças Armadas, Herzi Halevi.
Mas Gaza já não é bem Gaza. Em uma semana, os bombardeamentos ininterruptos de retaliação contra a cidade destruíram bairros inteiros, centenas de prédios desmoronaram-se como casinhas de areia. O último balanço oficial aponta para 2670 vítimas mortais, 9600 feridos e mil desaparecidos debaixo dos escombros, a maioria civis, puxando os limites do legítimo direito à auto-defesa de Israel para a punição de todo um povo. “Até a guerra tem regras”, clama António Guterres, secretário Geral da ONU.
Cerca de um milhão de palestinianos abandonou entretanto a cidade, por uma única via de fuga, 25 quilómetros em linha reta, em fila contínua, de carros, carroças, camiões, animais ou a pé, até Khan Yunis, a segunda maior cidade. Ou 35 km para quem seguiu até Rafah. A vida quase toda deixada para trás, só um bocadinho ínfimo enfiado à pressa em trolleys, malas e sacos de plástico. Mas até aí há bombardeamentos, um camião lotado foi abatido por um rocket, 70 mortos num só alvo, como se o terror caminhasse com eles lado a lado. Não há abrigo certo para a morte, numa prisão a céu aberto do tamanho de Vila Real ou pouco maior que Vila Franca de Xira (369m2).
Muitos destes refugiados acumulam-se agora no extremo da Faixa junto ao Egito, que lhes trava a passagem pela única saída não controlada por Israel. Faltam alojamentos, comida, medicamentos. Há chão e relento, fome e choro. Do outro lado da fronteira, outra fila se forma, mas para entrar, de centenas de camiões de ONG que carregam os bens por que imploram os palestinianos. A ajuda também não tem autorização para seguir caminho, mas durante a madrugada, em Portugal, os Estados Unidos, Israel e o Egito terão concordado com um cessar-fogo nesta zona sul da Faixa de Gaza para permitir a abertura da passagem de Rafah, durante algumas horas, para a entrada do apoio humanitário e a saída de cidadãos estrangeiros, nomeadamente 600 norte-americanos.
No centro da cidade de Gaza, nem todos os civis abandonaram a zona de evacuação obrigatória, assim ordenada por Israel “para sua segurança e proteção”, em milhares de panfletos lançados dos céus e mensagens de WhatsApp. Não é possível fechar os hospitais, completamente sobrelotados, alerta a Organização Mundial de Saúde. Entre os internados, 40% são crianças. “As ordens de evacuação são uma sentença de morte para os doentes e os feridos. Os profissionais de saúde vão permanecer ao seu lado”, garantiu o diretor-geral Tedros Adhanom. E nem só o ataque iminente os preocupa. Com o fornecimento energético cortado por Israel, as unidades estão a funcionar com geradores que ficam sem combustível dentro de alguns dias, alerta a ONU. E sem luz não há oxigénio, cirurgias, monitores. O abastecimento de água, também interrompido, deverá ser restabelecido mas apenas no sul do território.
As equipas das Nações Unidas presentes no terreno classificam a situação de catastrófica. “O espectro da morte paira sobre Gaza. Sem água, comida, energia e sem medicamentos, milhares vão morrer. Pura e simplesmente”, alerta Martin Griffiths, responsável máximo das Nações Unidas para os assuntos humanitários. Os palestinianos correm o sério risco de acabar como vítimas de uma nova “limpeza étnica em massa”, como em 1948, com a criação do Estado de Israel, quando 700 mil foram obrigados a abandonar as suas casas, denuncia a ONU.
E quando o cenário parecia não poder piorar, o Irão, que apoia financeira e militarmente o Hamas, deixa um aviso direto a Israel, antes da grande ofensiva. “Se as agressões sionistas não pararem, as mãos de todas as partes da região estão no gatilho”, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Hossein Amirabdollahian.
O conflito ameaça saltar fronteiras e subir níveis de ameaça com a provável entrada em cena do Hezbollah, outro movimento islamita também financiado pelo Irão, abrindo uma segunda frente de guerra no norte de Israel, na fronteira com o Líbano, de onde, esta semana, já foram lançados ataques mútuos. O perigo é tão real que vai arrancar, em breve, a evacuação de 28 localidades israelitas no raio de dois quilómetros até à raia.